terça-feira, 9 de outubro de 2007

Porta-Mangueira


Quando o galo cantou, eram cinco horas da manhã de um sábado. Sábado de carnaval, morro da Mangueira, cidade do Rio de Janeiro. Ela forçou os olhos, sentiu o peso das pálpebras como se houvessem coladas umas nas outras. Esfregou com a ponta dos dedos e bocejou esticando as pernas.

A garoa que caía lá fora, levava lama às ruas de baixo. As pessoas iam subindo devagar, carregando suas fantasias da noite anterior, pulando entre as poças, sorrindo com seus poucos dentes. E da janela ela via também as bandeirolas que dias antes, ajudou a colocar por toda favela.

Lembrou de quando era criança, sonhara um dia ser Porta-Bandeira da escola que a vira nascer. Pensou no quanto seu pai havia trabalhado fazendo bicos como pedreiro, nas casas que ficavam lá em baixo, no asfalto, perto do mar. Tudo era para um dia poder desfilar e mostrar o quanto era talentosa.

Levantou da cama, que ficava num espaço pequeno entre o que chamava de quarto, e que servia também como sala e cozinha. Preparou um café forte, não tinha leite, mas já estava acostumada. Ainda restou um pão do dia anterior, rasgou-o entre os dentes fortes e engoliu junto com o amargo.

O dia já começava a dar suas primeiras cores sob os raios de sol, e sentiu um frio na barriga. Foi então que se deu conta; estava mais perto do que ela imaginava. E agora não sabia lidar com o momento tão esperado.

Varreu a porta de entrada, e botou um disco de samba pra tocar. As crianças corriam entre os becos, subindo e descendo, era festa, era carnaval! Pensou em ir à praia, mas de certo tomaria muito tempo, ela queria sentir cada momento ali, na sua toca. Então fechou-se e lentamente, ensaiou uns passos que iria usar à noite.

E quando percebeu, o samba havia-lhe tomado à alma, e todos os sons eram as batidas do seu coração. Já ouvia os gritos que viam das arquibancadas, e a vibração da bateria. Não queria abrir os olhos, tinha medo de que aquele momento escapasse de sua vida, como um suspiro no fim da tarde.

Chorou, e agradeceu à Iansã por estar firme, representando sua escola, e sua família. Pensou em seu pai, e no quanto ele estaria feliz se estivesse ali. E pensou até que, ele realmente estava; em emoção.

O suor caía-lhe pelo rosto, inundando seu vestido tão brilhante, e foi num estampido que o suor misturou-se com o sangue do seu peito. E a formosura desabou na avenida, sem desmanchar seu sorriso. Ela ajoelhou, abriu os olhos e viu, era mesmo verdade, e estava feliz.

A manchete do jornal no dia seguinte homenageou a mulata formosa, que partiu feliz, como sempre desejou, no meio da Sapucaí. Sua escola não foi campeã, mas certamente, ninguém esqueceria daquela noite estrelada, pois era sábado de carnaval.



º° Bibian °º