domingo, 16 de setembro de 2007

Os anjos que foram expulsos do paraíso.


Reza a lenda que até pra morrer eles foram juntos. Foram tantos anos de amizade que agora era difícil lembrar quando se conheceram. O que se sabe é que aqueles dois eram quase inseparáveis. Eram ainda guris, desconheciam muitas malicias da vida – sendo a provável causa de sua aproximação iminente. Conforme passava o tempo, começaram a descobrir-se completamente diferentes. Muitas de suas idéias eram se não divergentes, contrárias mesmo. Mas, mesmo assim, começaram a se divertir cada vez mais juntos. Um era o extremo simples. Não ligava pra coisas materiais e vivia brigando com o outro por isso. O outro era meio adoidado. Um amava o reggae, o outro gostava dum rock. Eram muito próximos da total divergência de pensamentos. Mas não havia jeito, eram quase inseparáveis. As pessoas na rua comentavam a amizade e a ligação era tão forte que eles chegavam a ter um tipo de telepatia, era como se o pensamento de um passasse a ser altamente compreendido pelo outro, dispensando-se palavras. Conforme cresciam, o sentimento tornou-se tão forte que um podia sentir quando o outro não estava bem. Passaram a gostar da diferença do outro o que era muito importante, pois não procuravam moldar-se para a aceitação mútua. Sentiam-se livres para ser como gostavam, pois não seriam julgados por isso. Passaram a almejar coisas parecidas. Apesar da proximidade com a criminalidade, sonhavam em sair de perto da mesma. Qualquer coisa era motivo para que os dois se encontrassem nem que fosse pra jogar tempo pro ar na praia próxima à residência de ambos. Descobriram-se inúmeras vezes caminhando na rua, sem destino enquanto a conversa enveredava por caminhos que só os dois conheciam. E assim foram indo, até que a vida com uma de suas lições impiedosas começasse a brincar um pouco com eles. Um dos amigos teria de mudar de bairro. Os tempos de muita farra e muita cerveja iria ter de ser limitada aos ridículos finais de semana. Eles não eram acostumados a esse limite, por isso sabiam que dariam um jeito de estar juntos sempre, de qualquer forma.
E em mais um dia de farra, naquele velho e bom Gol, a 130 por hora (como já era de costume), eles conheceriam o tamanho da amizade deles. Ainda não conseguiam entender como aquele carro aparecera sem ser notado por nenhum dos dois. Pra encurtar a história, um terrível acidente de carro. Essa é a parte conhecida da história. Segundo se conta, depois, subiram os dois ao encontro do Todo Poderoso. Diz-se que Deus, num voto de confiança, levou-os pro paraíso. Mas não conseguiam se desapegar da irmandade, e quando se juntavam até no céu aprontavam. Era um tal de dormir em serviço, de fugir pra dar uma volta na terra, de sair pra ficar conversando na sombra das árvores. Deus, ciente da situação não sabia se ria ou se castigava os dois, afinal, uma amizade pra sobreviver à morte não se via todo dia. E ia deixando eles lá, fazendo vista grossa por que, na verdade Ele achava aquilo muito bonito. Mas, cansado das queixas dos anjos, Deus manda os dois em reencarnação, desta vez um em cada canto do mundo. Muitos achavam que até Deus enjoara de tanto gostar e queria separar os dois. Mas não teve jeito. Para provar o quanto era grande o sentimento, os dois nasceram viajantes. Um, filho de um capitão da Marinha, e o outro filho de hippies viajantes. A essa altura Deus já havia se esquecido da pequena brincadeira que fizera, quando os dois se conhecem, ao acaso, em uma cidade dessas qualquer do mundo.
E lá, mais de vinte anos depois, Deus um dia bate um olho em dois amigos, sentados na areia de uma praia, olhando o tempo passar, e deixa escapar um sorriso ao pensar alto:
- Hum... Lá estão aqueles dois de novo. – E volta-se para fazer alguma outra coisa.

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