domingo, 21 de outubro de 2007

Suspiro


Gosto amargo na boca. Mais uma noite perdida em seu sofá de couro branco. Manchas de vinho tinto e restos de comida na mesinha central. Fôlego de fumante é o terror das manhãs de domingo. Precisa de água.

Abre a geladeira, e tem a impressão de que todo mundo cabe em muito gelo e nada de água! Uísque barato de beira de estrada. Mas a dor de cabeça e o enjôo... Não, estava mesmo só e naquela cidade, ninguém poderia interceder.

Tinha apenas vinte anos, mas já penava sob as dores de um mal de amor. Se é que tudo aquilo fora amor de verdade. Não sabia, pois o futuro ainda não trouxe as respostas. Queria apenas cessar a tosse, acender um natural e, observar a fumaça sumir por detrás das cortinas azuis de algodão.

Calor que fervia os miolos, fazendo coágulos de sangue por debaixo de sua pele. Mais uma vez pensou em água, queria um banho. Chuveiro frio, forte e tempo vagaroso. Quase uma bruma... Fechou os olhos e ouviu a porta bater na sala.

Aquela música dos anos setenta, justamente da época em que não se lembrava, pois não havia sequer nascido. O balanço da canção trazia uma saudade do que não se conhecia, do que não existia. E todo espaço fora invadido melancolicamente por aquelas notas sofridas e boas de ouvir.

Fechou o chuveiro, enrolou-se na toalha branca. Pensou que poderia passar os seus últimos dias de vida dentro daquele banheiro frio. Em posição fetal, no chão, como criança que perdeu o rumo do nada, sentia que tudo estava acabado. Ouviu a voz chamar seu nome, tinha pressa. Levantou-se devagar, como quem sentia dores na alma. Pensou talvez que poderia segurar no pulmão o passar dos minutos. Inútil tentativa.

A voz agora gritava nervosa. E dizia verdades de quem também sofria, por erros alheios e irrevogáveis. Estava mesmo tudo findado. Lágrimas não adiantavam. As mãos fugiam, não mais acalmavam. Os braços agitados não cabiam mais no seu abraço. Dor e medo.

Bateu a porta, não disse adeus. Os passos nas escadas selavam o que a mente há tempos já dava sinal. Precisava sumir fechar-se em sua toca, trancar as portas para o mundo e internalizar tudo o que era essencial. Não chorou, gritou. Não penou, agradeceu. Não sorriu, mas criou a sua liberdade depois de sua intensa reflexão. Rabiscou num papel o endereço, deixou as chaves em cima da mesa e saiu. Para nunca mais voltar para aquela voz.


º° Bibian °º

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