terça-feira, 14 de agosto de 2007

Dicas de Como Ser eu Mesma


Primeiro você nasce. Assim, numa cidadezinha distante, no meio do sertão. Entre pés de cacau e moenda de farinha. Depois tua mãe te larga, nos braços da patroa branca. Como era antigamente, com seus antepassados.

Daí então você cresce rica, com conforto e carinhos. Deixando as outras crianças brancas cheias de inveja e desprezo. Passa a entender que o dinheiro compra os “amigos” e revela suas intenções.

Mais tarde, quando já mocinha, você estuda nos melhores colégios da capital. Freqüenta as melhores lojas, os melhores restaurantes, e sua vida que, poderia ter sido na roça, colhendo cacau e vendendo farinha, transforma-se numa vida cortez de princesa negra. Que nem mesmo as rainhas africanas poderiam dar às suas filhas.

Seus pais se orgulham do seu gosto pelas artes. Na sua classe, é a primeira a ler, a criar histórias e contar com simplicidade, suas férias em lugares distantes. Tens o dom da palavra e, sabe encantar com o sorriso de menina moça.

Os rapazes que se aproximam, conhecem a bravura de uma menina mimada, cheia de vontade, que gosta de chamar atenção. Brinca de bola, anda com os pés no chão, mas sabe seduzir desde menina. Assim, consegue roubar o beijo do garoto mais cobiçado da rua.

Quando termina os estudos normais, você decide virar hippie. Usa saias longas, fala como os filósofos que costuma ler, e, para sua família, é tudo tão encantador, que passam-se os anos e a menina continua sem saber “o que vai ser quando crescer”.

Numa tarde, um vizinho seu adoece, e ao hospital, você envia uma carta desejando força ao amigo. Ele responde feliz, dizendo o bem que aquelas palavras lhe causaram, e indicando a profissão das letras para menina peralta de quase vinte anos.

Decide-se ser jornalista, empenha-se para isso, abandona os incensos e retoma aos livros. Dedicada e inteligente, prevê um futuro brilhante, viajando pelo país, atrás de boas histórias para contar. Seu pai, mais uma vez, enche-se de orgulho de sua pérola negra.

Na faculdade, conhece um outro mundo. Cheio de promessas razoáveis, pessoas diferentes e muito além disso, conhece as linguagens da alma. Vídeos, fotos, letras, sons. Tudo te encanta e revela. Agora você está perdida entre tantos desejos, tantos caminhos. Já não sabes mais pra onde ir. Quer abraçar o mundo todo, e morrer em um pedacinho, com seu sorriso na boca.

Foi numa tarde de verão, em que você decidiu não querer mais nada. Apenas que o tempo parasse e congelasse aquele momento. O barulho dos carros rugia seus ouvidos, as cores, as luzes e as pessoas. Tudo girava ao seu redor.

Correu para pista larga, onde os carros bruscamente freavam. Morreu no asfalto quente, debaixo de um caminhão. E quando sentiu como nos filmes, a câmera rodar, o zoom - in dá ré e vem aquela musica triste no fundo. Tudo fica branco, apenas o estrondo. A próxima cena é você, com sua caneca verde, óculos na testa e uma tela de computador bem na frente. Angustiada com a fumaça do cigarro, enquanto a perna direita está em cima da cadeira, como costumava sentar desde menina.

Documento salvo, agora é mandar para o revisor. Mais uma noite longa entre conhaque, cigarro e Janis Joplin. Que tal ligar para aquele ex-namorado?


º° Bibian °º



Fotografia por: Bibian

Um comentário:

Anônimo disse...

simplesmente, simples!
escrava isaura, cordel ,janis joplin, stand by me, tantas coisas em minha cabeça.
e correu prum lado que eu não achava ir.
valeu! (: