terça-feira, 14 de agosto de 2007

Fogaréu


Ela acorda sempre antes do sol. Em sua casa de taipa sem nenhum conforto, longe da água encanada, da luz elétrica e de toda tecnologia da vida moderna, essa Marizinha, que qualquer um encontra no sertão, vive sua vida perto dos bichos e da seca.

Entre seus filhos e a fome, seus sonhos são apenas de sobreviver o máximo possível. Nunca foi à escola, assim também como não irão suas meninas, seu marido e seu futuro. Tens nas mãos calos da roça, dores na alma, e a certeza de que mesmo simples, sua vida é exatamente o necessário para poder descrever o tamanho de suas batalhas.

Andar por léguas até o açude, trazer aquela água salobra, e cozinhar os poucos grãos que a terra lhe deu. Quando os têm. Se não, sobra-lhe a palma de cacto, depois de tirar os espinhos e esquentar bem no seu fogaréu de lenha.

Nos dias em que pode passear, vai até a vila, conversa de comadre entre as vizinhas de estrada. E sente que tudo aquilo é seu mundo. Nada além do que a sorte pode trazer. Ela vive assim, por entre as dores do homem, no peso de ser mulher.

Por tudo o que passou, seus partos, seu sangue derramado entre a caatinga, a Mariazinha pode sorrir quando ouve as modas de viola, e o barulho de chuva que cai de tempos em tempos. Provendo o de comer, nem que seja por uns dias. E na missa de domingo, onde deposita sua fé, pede ao padroeiro que lhe conforte a alma, já que o corpo pesa nos seus trinta e cinco anos. Sente-se velha e cansada.

Quando era criança, sonhava em ser professora, e poder ensinar às outras crianças como o mundo era grande e ia além das cercas que dividiam as grandes fazendas. Sua mãe trabalhava em uma delas. E ela via todas as noites suas lágrimas. Promessas de que tudo um dia ia mudar. E mudou.

Agora ela quem arava a terra, enquanto seu marido moia a mandioca que dava no chão rachado, regado a muito suor. Todos os dias sentia o medo da morte, quando via as carrancas dos bois na beira da estrada. Era como se fosse um deles. Estava sempre a espera de um pássaro preto, para rançar-lhe o coração. E com ele todos aqueles sonhos de felicidade.

Por mais que tentasse, a Mariazinha não sonhava a noite. O corpo latejava as agonias do seu pesar. Arrastava-se por entre os dias, com seu sorriso fraco, sua anemia e palidez, embora sempre tivessem um conselho bom para dar aos mais sofridos. Haveria de haver alguém pior do que ela no mundo. E isso a consolava.

Fizera uma promessa de vida. Ainda que custasse sua alma. Entre o batuque dos Santos, ela girava na roda e dizia para si mesma que seria forte, que permaneceria viva. Para um dia poder contar sua história. Mas não havia história alguma. Nunca dali ela tinha saído. Se não, em seu pensamento.

E cada dia era como um dia qualquer. Era acordar com o cantar do galo, andar até o açude, mas açude já não havia. A seca levara tudo. Levara também a Mariazinha.


º° Bibian °º



Fotografia por: leo rosario

2 comentários:

Unknown disse...

nem preciso falar que sou seu fan ne?

Rodrigo Azevedo disse...

muito bom o texto
:)
olha, não tem como eu mudar o jeito que escrevo porque é o meu jeito saca, quando escrevo sai do coração e não nas mãos
mesmo que eu quisesse mudar não conseguiria, não depende do meu querer
:)
beijos