quarta-feira, 27 de junho de 2007

Uma Noite no 301


-Vamos discutir agora?

-Não, deixe pra mais tarde.

Cinco minutos se passam

- E agora, já podemos discutir?

- Não, já resolvemos nossos problemas.

- Já?

- Sim, eu gosto de você, você gosta de mim. Deite-se um pouco, são 4h da manhã.

E parece que a solidão corrói o peito. O auto-entendimento dói como uma faca que segue cortando aos poucos, cada centímetro de pele viva em seu corpo.

Talvez se notassem seu comportamento cada vez mais suave. Talvez se vissem seus olhos cada vez mais vivos. Talvez... Mas não percebem, pois não existe nada disso. Não percebem por que tudo ali é falso.

Ele acorda sempre ao meio dia. Não toma café, prefere apenas um copo com água. O dia cinzento que ele enxerga por trás das cortinas amareladas, traz um gosto amargo. Cigarros, conhaque, e um vazio enorme em seu peito. A noite anterior foi diferente. Ele sabia que sua vida jamais seria a mesma. E não foi.

Dos seus 25 anos, apenas três o separavam do real e do abstrato. Foi com a turma da faculdade, sua primeira festa no 301. Aquele covil de cobras e escorpiões, todos vivos, esperando seu primeiro deslize. Mas não, ele era atento e sentia que ali, não poderia vacilar.

Foi quando ele viu os cabelos negros mais brilhantes de sua vida. Se ele soubesse o que seria sua vida ali a diante, ele não teria sentado ao lado dela. Não teria fumado o seu cigarro, não teria fumado do seu pó.

Dividiram a cama, dividiram também a saliva, e o gozo ao amanhecer. Era tudo festa, e seus sentidos estavam à flor da pele. Ele apenas queria que o tempo voasse, mas que ela nunca saísse de seus braços. E que todas as noites fossem como aquela no 301.

Naquela manhã cinzenta, ele tomava então sua primeira dose de conhaque, olhava entre os prédios e os carros lá em baixo, via pessoas e podia sentir o barulho da vida. Mas tudo o que ele precisava era voltar àquela noite no 301. A suavidade do toque daqueles longos dedos em seu rosto, e todo cheiro bom de incenso que inundava o apartamento. Havia outras pessoas, mas seus olhos apenas fitavam o brilho que era o olhar negro e firme que havia em sua frente. Ela sentia amor por ele. Era coisa de outra vida.

Quando tudo parecia ser irreal, ela lhe sorriu, com seus dentes insuportavelmente brancos, retos e grandes, como se sua boca fosse a porta do céu, e tudo o que mais existisse de bom no mundo. Sua voz era como a águia sobrevoando o oceano. Segura do que queria, ela lhe disse para ficar para sempre ali, no 301. Precisavam apenas um do outro e nada mais.

E por mais que os segundos insistissem em andar, ele sentia a dor em seu peito, a dor da certeza de que todas as noites e todas as festas que viveu no apartamento ao lado, não seriam jamais como aquela. Como foi e como seria dali em diante. Três anos durou seu sonho. Até que naquela manhã cinzenta, depois de renegar sua necessidade em expor-se, ela partiu.

O viaduto tinha mais de cinco metros de altura, mas a morte corria em baixo, a 120 quilômetros por hora, pesando o suficiente para dilacerar aquele corpo que outrora estava em seus braços. Ela sumiria dentre semanas, debaixo de uma cova rasa e fria. Nunca mais as mechas negras entre seus dedos. Nunca mais aquele sorriso largo. Nunca mais as madrugadas no 301. E já havia passados três anos.

Tomou o ultimo gole do conhaque, respirou fundo e sonhou. A mão que lhe afagava era negra, como toda dor que seu peito sentia. Pediu para morrer, mas queria morrer numa noite como aquela no apartamento 301.


º° Bibian °º

Um comentário:

Anônimo disse...

Ainnnnnnnnnnn Vivi!!!
Choreiiiiiiiiiiiiiiiiii!!!!
É tocante velhoooo....me explique de onde sai tanta inspiração???


Beijosssss!!!!

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